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Estratégias de Defesa Contra Vampiros

Correspondente: COSME ARISTIDES

Em tempo, quero deixar claro que, como cético, não acredito na existência de vampiros. O que está muito longe de significar que acredito na inexistência deles, pois aí estaria acreditando em alguma coisa e deixaria de ser um cético. O não acreditar cético inclui tanto a tese quanto a antítese de um assunto, mas seria uma precipitação ingênua julgar esse procedimento como um sinal de indiferença, passividade ou neutralidade. Sei que, atualmente, o politicamente correto é dizer que o homem necessita crer em algo para não se alienar, que ele só age quando tomado por uma crença, que a fé é sua salvaguarda contra a queda no niilismo cínico. Isto é tão falacioso quanto crer que o casamento é um pré-requisito necessário para a procriação ou o diploma como a única garantia segura de conhecimento. A dúvida não nos trava, pelo contrário, é a propulsora de nossa curiosidade, o motivo primeiro para investigação, estudo e pesquisa. A certeza é pronta, acabada e única, nada além precisa ser posto, sendo o fim suposto de toda busca, o estabelecimento de um estado em que o arbítrio humano negligencia qualquer outra alternativa. O pensamento convicto decreta a morte prematura da curiosidade e priva o homem de se firmar através das próprias decisões. Não conseguir agir sob dúvida é, pois, uma deficiência humana adquirida; ela não deveria ser louvada como uma parte inerente de nossa natureza. É uma atitude covarde provocada pelo medo de assumir os riscos de errar. A fé seria, então, uma forma ilusória de conferir certeza de acerto ao indivíduo covarde, fazendo com que aja apenas pelo interesse na promessa de sucesso. O cético persevera na descrença para considerar com máxima clareza e isenção todas as opções possíveis. Assim poderá tomar decisões conscientes, de acordo com os próprios designos, trazendo para si a responsabilidade pelas conseqüências de seus atos. Também não hesitará, já que não ficará esperando por garantias; agirá assumindo os riscos, estando pronto para as contingências de erro.

Sendo deste modo, se me questionarem, responderei: não acredito em nada do que digo ou escrevo, mas me responsabilizo por cada uma de minhas palavras. Não me tornei convicto em nenhuma matéria; mas, no momento, estou decidido por algumas. E muito menos tenho certezas para distribuir; contudo, me esforço por ter um mínimo de fundamento em minhas opiniões. Ainda, como cético, não tenho a pretensão e a arrogância dos dogmáticos de ser um buscador da verdade, não me entrego à vã vaidade de achar que posso fundamentar total e completamente um conhecimento. Não há fundamentação auto-suficiente, não existe uma estância última para o ato de fundamentar, ele só se completa no infinito. O cético contenta-se em levá-lo até o ponto que a situação exigir, truncando sua seqüência onde o erro cometido for aceitável.

A definição do que seja fatos passa a ser apenas o conjunto de informações que estão, no momento, merecendo nosso voto de confiança provisório. Portanto, o que se segue pode ser tomado como ficção, já que não pode ser definido através de conceitos de verdade. Mas, no final das contas, qual o conhecimento que pode se definir nestes termos?

Aqui busco compor uma coletânea das informações mais relevantes que possam ser usadas contra a, talvez, mais perniciosa das espécies de seres abiológicos; os vampiros. O intuito é pôr a sua disposição um apanhado de conhecimentos práticos e efetivos, aos quais você possa recorrer quando sob ameaça de uma dessas criaturas, agindo de forma pragmática em prol de sua própria segurança. Tudo que será exposto abaixo foi reunido e posto à prova sistemática e criteriosamente por nossos investigadores e vigilantes ao longo de mais de dezoito séculos de infiltrações e incursões aos covis do homo parasiticus.

Como já sabemos a cruz e todos os símbolos cristãos são um engodo; muitos vampiros são padres, um inclusive foi papa; portanto, não fie sua integridade física a eles. Claro, a água benta se inclui nesta categoria, o que a torna também risível e inócua aos vampiros. Não é o caso, contudo, das águas não tratadas; estas, sim, preservam muito da energia telúrica que lhes é inerente, sendo fontes naturais dessas irradiações. Em trabalhos anteriores, já foi divulgado o fato de os circuitos energéticos vampíricos – implementados a partir de modelos fechados e não dissipativos e, assim, não promovendo trocas energéticas com o meio ambiente – são altamente afetados por fontes de radiação telúrica, as quais constituem fatores de severas disfunções no seu comportamento operacional. A criatura portadora de uma configuração circuital desta espécie e que for exposta, dependendo da intensidade da fonte, pode sofrer desde incômodos até a desagregação completa de seu aparato energético de existência física; o que, quase sempre, se traduz numa aniquilação explosiva. Portanto esqueça o frasco de água benta, mas o encha de uma boa quantidade de água de mar ou de rio que não estejam muito comprometidos pela poluição; isto é importante, pois esta é a causa de uma perda acentuada da carga telúrica em qualquer meio. O mesmo vale para a chuva, nos meios urbanos seu poder está muito atenuado, entretanto não a descarte, ainda possui carga suficiente para provocar sérios danos a um vampiro, se sua permanência ao ar livre puder se prolongar por tempo bastante. E sendo possível deixá-lo por um prazo maior a mercê da intempérie, talvez sobrevenha a extinção completa. Melhor ainda se for uma tempestade elétrica, esta característica potencializa toda a força telúrica que a chuva já carrega normalmente. Exposta às descargas e variações na pressão e no eletromagnetismo atmosféricos decorrentes dos relâmpagos e travões, a atividade energética vampírica é totalmente perturbada e entra em colapso convulsivamente: para o vampiro é uma condição de extremo sofrimento e letal depois de algumas horas.

Outro alerta que deve ser feito é sobre a sempre citada estaca. Qualquer instrumento pontiagudo será uma arma fatal contra vampiros se for fincado e mantido na região mais vulnerável de sua fisiologia. É um engano crasso achar que esta se situa nas imediações onde encontrava-se o coração nos humanos e que se está visando o análogo vampírico deste órgão. Antes de tudo é necessário esclarecer que tal análogo não existe; o que restou pós-transformação foi um retorcido e atrofiado bolo de músculos sem função. O único efeito mensurável de um ataque direcionado a essa área é uma tênue experiência de dor; algo que, de qualquer forma, os vampiros sabem suportar muito bem. Não sendo em seus dois pontos vitais, todo ferimento provocado no corpo vitóide não passará de um simples rasgo em sua carnadura; não espere hemorragias ou infecções, tais processos só ocorrem se houver sangue circulante e microorganismos ativos. E esses são fatos que não estão presentes na fisiologia vampírica. O sangue humano é quase que totalmente drenado para permitir o nascimento a partir da morte, o que resta coagula e seca; logo, fique atento: vampiros não sangram. Também verificou-se que a deterioração natural da massa cadavérica é detida pelo estabelecimento geral de um ambiente estéril no organismo morto; onde bactérias, protozoários, vírus não sobrevivem ou ficam inativos. Donde decorre outra peculiaridade pouco comentada desses seres: vampiros não exalam odores, já que nem mesmo feromônios em atividade possuem. Eles disfarçam isso cultivando religiosamente o hábito de perfumarem-se sempre que podem.

Sendo assim, para que qualquer tipo de ataque seja efetivo, apenas duas regiões devem ser visadas no corpo vampírico; o abdômen e a cabeça. Golpes com instrumentos cortantes, perfurantes ou concusivos desferidos nesses alvos terão grande probabilidade de atingir e causar lesões em seus órgãos realmente vitais: o saco retentor de sangue – remanescente do estômago humano – e a massa encefálica – que guarda muito das faculdades humanas. Infelizmente, se a extensão dos ferimentos não for crítica, eles não se prolongam por muito tempo; eliminada a causa, tudo se regenera com irritante rapidez. Portanto, é crucial manter o ataque até que o dano se torne irreversível. Mas é bom lembrar que não lidamos com escalas humanas, o limite de estragos que um órgão vampírico pode assimilar ultrapassa sobejamente o caso humano. A boa notícia é que se pode maximizar o dano auferindo carga telúrica ao material constituinte do objeto agressor. O exemplo é a estaca feita com madeira virgem (um simples galho recém arrancado de uma árvore), sendo esta mais letal para um vampiro que qualquer arma branca ou de fogo.

Tendo que escolher entre qual dos dois pontos atacar, prefira a cabeça; é onde as investidas contra o vampiro causam maior prejuízo físico. No entanto, como bem se poderia pensar, a decapitação não extermina a criatura de imediato; deve-se, ainda, ter a presença de espírito para afastar a cabeça do corpo por uma distância de pelo menos quinze metros. Esta é uma grande margem de segurança, já que há registros de vampiros que sofreram o colapso com apenas sete metros; contudo, não arrisque, o corpo decapitado continuará ativo enquanto estiver sob o raio de ação da cabeça. O insólito desta situação não se restringe apenas à cabeça, se estende a qualquer membro decepado do vampiro; dentro do seu campo de influência volitiva, ele terá sempre o controle motor da parte mutilada; além de ainda ficar em condições de executar um implante por contato no local da secção. Mas fora dos limites deste círculo, o membro atrofia e putrefaz-se e nenhum outro nascerá em seu lugar; logo, não se engane, positivamente existem vampiros aleijados dos mais diversos modos.

Uma lenda muito propalada tem levado à crença improcedente de que os vampiros não produzem reflexo em superfícies espelhadas. Algo que não faz nenhum sentido; apesar de estar animado, ele é um cadáver feito de matéria opaca como qualquer outro e, portanto, não há como deixar de apresentar sua imagem refletida. Tal lenda se criou em torno do fato de muitos humanos presenciarem, sem o saberem, o efeito de presença remota executado por um vampiro poderoso e julgarem estar diante do próprio e não de uma simples projeção. Recursos como este são peças de engenharia circuital projetadas para proverem capacidades adicionais a seus portadores e recebem comumente a denominação de “facultas”. Para funcionarem, precisam ser instaladas diretamente no circuito energético de suporte de existência do ser receptor. Ocorre que na concepção da “facultas” de presença remota não foi levada em conta a existência de reflexos e a simulação desta contingência deixou de ser implementada nela. Daí o duplo e perigoso engano que tem sido passado através dos séculos.

Atualmente as “facultates” estão proibidas para vampiros e humanos. Elas só podem ser adquiridas por esses seres com autorização expressa da Confraria da Mão Morta, os dirigentes ocultos do mundo. São também conhecidos por outros nomes, mas esse nos basta. Não há vampiros entre eles, quase todos são humanos, embora não cultivem as fraquezas ditas humanas. Estão conscientes das próprias capacidades e as escondem dos demais semelhantes para manterem o jugo. Parecem superiores apenas por imputarem em muitos um sentimento de inferioridade. Os vampiros são seus serviçais subalternos, a posição que angariaram veio da bajulação e da obediência cega. Com isso conseguiram a permissão para viver entre os humanos e usufruírem deles com moderação. Todavia, há uma minoria insubmissa tanto entre vampiros como entre humanos. Para estes existe o mercado negro de “facultates”, onde tudo pode ser comprado por quem pode pagar o preço. Assim fique atento; há vampiros que podem fazer muito mais do que morder sua jugular.

Também é dito com demasiada convicção que os vampiros não entram em sua casa sem serem convidados. Esta é uma segurança ilusória; com convite ou não, eles entram onde bem entendem, a única exceção é as residências dos apadrinhados da confraria. Nestes locais, sim, só lhes é permitido entrar com o consentimento do morador, a desobediência desta norma é punida com a execução sumária na cruz vampírica, sem apelação. Assim, o livre trânsito que goza um vampiro só é restrito pelo temor que sentir da Mão Morta.

Que lhe sejam proveitosas essas informações. Não é um pré-requisito acreditar na existência de vampiros para fazer uso delas; apenas considere a hipótese, muitas vezes é o que basta para se manter vivo.









postado por COSME ARISTIDES na domingo, julho 15, 2007 Poste um Comentário

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